A Doença de Alzheimer é um dos tipos de demência, quais as principais preocupações nesta área para os doentes e familiares?
As preocupações dos doentes e familiares nem sempre coincidem com as dos médicos, dos sistemas de saúde ou mesmo dos investigadores. O que me apercebo na prática clínica é que as preocupações são cada vez mais dirigidas ao diagnóstico precoce e correto. Saber exatamente se existe uma doença neurodegenerativa em curso ou não, saber mais sobre o prognóstico e o ritmo esperado de declínio de capacidades, saber como podem influenciar o curso da doença. No fundo os doentes e famílias mais organizados procuram informação concreta que lhes permita fundamentar a tomada de decisões pessoais e planear a vida.
Devemos estar alerta para alguns sintomas que potencialmente possam indicar o desenvolvimento de demência ou doença de Alzheimer? Há mecanismos de prevenção?
No âmbito da prevenção: cada cidadão deve estar alerta para todas as características individuais que o aproximam ou afastam de um futuro diagnóstico de demência. Sabemos, hoje, que a acumulação de fatores de risco vasculares produz um enorme efeito na antecipação do diagnóstico de doença de Alzheimer. Podem explicar 35% de todos os novos diagnósticos realizados anualmente em Portugal.
É muito importante monitorizar os sintomas e sinais que possam traduzir o início de uma demência. Mesmo não existindo um tratamento dirigido à etiologia existem múltiplas intervenções farmacológicas e não farmacológicas que permitem reduzir o ritmo de declínio e lidar com os riscos associados à perda progressiva de capacidades cognitivas relevantes.
Os familiares dos doentes de Alzheimer procuram-no para avaliar o risco de desenvolver a doença? Quais as hipóteses apresentadas?
Essa é outra tendência crescente. Durante anos repetimos vezes sem conta que a doença era predominantemente esporádica, não sabendo nós porque surgia numas pessoas e não em noutras. Hoje em dia já não podemos dizer isso. Mesmo a interpretação de fenótipos clínicos e cursos evolutivos começa a estar dependente do conhecimento de certos genes e polimorfismos genéticos.
À semelhança do que já vem acontecendo com outras doenças crónicas, como a diabetes e a doença osteoarticular degenerativa, por exemplo, os cidadãos sabem que as doenças neurológicas crónicas e degenerativas também podem ter um contributo hereditário. Procuram percebê-lo e querem saber como lidar com isso. Procuram sobretudo saber a partir de que idade devem estar atentos, quando devem revisitar este assunto no futuro, que fontes de informação devem consultar.
Sendo a Doença de Alzheimer uma das várias formas de demência e tendo poucas alternativas terapêuticas disponíveis no mercado, qual a abordagem que faz aos familiares para lhes apresentar uma alternativa de um ensaio clínico?
A filosofia que existe no Centro de Ensaios Clínicos da ULS de Matosinhos, e nomeadamente no Serviço de Neurologia, é conseguir disponibilizar à população o acesso aos principais ensaios clínicos na área das doenças neurodegenerativas, sempre nas melhores condições de monitorização e segurança. Isto é tanto mais importante porque no âmbito da neurologia existem muitas doenças crónicas, degenerativas e incuráveis, na área da cognição, doenças neuromusculares, inflamatórias, vasculares. Quando um doente e uma família têm de enfrentar um diagnóstico destes, e conviver com uma doença deste tipo, é importante que existam disponíveis no seio do SNS as principais alternativas no âmbito da investigação clínica. Depois as famílias e os doentes tomam as suas decisões e optam por participar ou não em função das suas convicções. Mas o facto de existir essa opção disponível e próximo do local onde habitam é determinante para a tranquilidade e confiança no SNS.
Assim, após um novo diagnóstico em consulta é quase sempre abordada a possibilidade de participar em ensaios clínicos. Dentro dessa filosofia também é comum contactarmos outros centros vizinhos e referenciarmos doentes, ou recebermos referenciações nesse âmbito.
Qual o impacto de ter disponível uma medicação que possa ‘retardar’ o aparecimento da Doença de Alzheimer?
Eu diria que já existe alguma “medicação” com essa capacidade. Quando corrigimos o hipo ou o hipertiroidismo, quando controlamos a nossa tensão arterial ou dislipidemias graves, ou praticamos exercício físico e exercitamos o cérebro estamos a fazer isso mesmo, a retardar o aparecimento da doença de Alzheimer.
Quando passarmos a ter disponível uma medicação que seja capaz de influenciar, pelo menos, um dos diversos mecanismos, através dos quais a doença produz os seus efeitos no cérebro humano, vão existir mudanças dramáticas. Será necessário passar a confirmar o mecanismo em curso e identificá-lo em fases muito precoces. Estes dois aspetos implicam desde logo a resolução de enormes problemas no itinerário clínico dos doentes em fase precoce ou pré-clínica.
A participação em ensaios clínicos permite-nos desde logo perceber em que sentido vamos ter de adaptar a organização dos serviços, de modo a lidar com o conhecimento que vai sendo produzido e saber como implementar as novas soluções para que os cidadãos e famílias de facto beneficiem delas.
Será, também, importante garantir que uma nova solução que surja não desleixe todo o esforço no âmbito da prevenção e controlo dos fatores de risco para doença de Alzheimer ou corremos o risco de não obter os resultados esperados junto da população para que trabalhamos.
Como reage um doente quando lhe propõe fazer parte de um ensaio clínico e de que forma o motiva a participar?
A população da área de referência do Serviço de Neurologia da ULS Matosinhos corresponde a 320.000 habitantes dos conselhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Em algumas freguesias, a percentagem de licenciados é superior a 25%, o que faz com que em quase todas as famílias exista alguém mais instruído com quem tiram dúvidas e discutem os problemas de saúde. Habitualmente gostam de discutir o consentimento informado em família e perguntam também muitas vezes ao seu médico de família se devem ou não participar.
A motivação final resulta quase sempre de perspetivas individuais do doente, ponderadas pela disponibilidade da família para o acompanhar no processo e também a opinião independente do seu médico de família.
O nosso esforço passa por disponibilizar o acesso ao ensaio clínico e esclarecer todas as dúvidas que surgem. Por vezes conversamos com familiares e médicos, com quem o doente já tem uma relação de longa data, de modo a transmitirmos informação útil. A motivação para participar é um processo muito individual.
Uma área onde nos concentramos, também, é em garantir que o esforço de participação num ensaio clínico por parte dos doentes e familiares é correspondido pelo Centro de Ensaios. Procuramos agilizar horários e rotinas de modo a que a interferência nas rotinas familiares não seja motivo para desistência. Mais uma vez aqui, no âmbito das doenças neurodegenerativas os ensaios clínicos são habitualmente mais prolongados e obrigam a uma atenção maior.
Quais são as motivações de um médico em participar em investigação clínica?
Do meu ponto de vista pessoal, numa área do conhecimento tão exigente como é a neurologia, é crucial participar no processo de desenvolvimento de novos fármacos. Ficamos a conhecer profundamente os seus mecanismos de ação, dosagem, efeitos adversos mais frequentes, e que características dos doentes se associam a um maior ou menor benefício. No fundo, ficamos mais preparados para saber como os implementar com sucesso num futuro próximo ou porque razão não funcionaram e foi necessário evoluir para soluções alternativas.
É muito importante desempenhar um papel ativo no processo de desenvolvimento de novas soluções terapêuticas.
No caso de um ensaio clínico com participantes saudáveis, como é o caso do ensaio clínico Generation 2 em que se pretende estudar uma medicação que potencialmente poderá atrasar o aparecimento ou desenvolvimento da doença de Alzheimer, qual poderá ser, na sua opinião, a motivação para participar no ensaio clínico?
A motivação principal dos participantes parece-me ter duas fases. Numa primeira fase está relacionada com o facto de conhecerem alguém próximo com o diagnóstico de doença de Alzheimer e quererem colaborar com o processo de procura de uma solução terapêutica. É sobretudo a vontade de ajudar na luta contra a doença a base da motivação. Numa segunda fase, quando tomam conhecimento que podem ter um risco pessoal mais elevado de vir a ter a doença a motivação é muito semelhante à que existe nos doentes que participam em ensaios clínicos dirigidos a fases precoces da doença.
Já existem também cidadãos que conhecem os critérios de inclusão no ensaio Generation 2 e que nos procuram porque sabem ser portadores de um polimorfismo genético específico.
Quais as principais dificuldades de recrutar participantes nesta área e quais os potenciais desafios?
Cada vez mais a população em geral está alerta e disponível para saber mais sobre a doença de Alzheimer. É cada vez com maior naturalidade que discutem os fatores de risco para a doença, os seus critérios de diagnóstico e diferente gravidade, os ensaios clínicos em curso. Estão habitualmente muito recetivas a saber nova informação e analisar a possibilidade de participar num estudo deste tipo. Se adicionalmente tiverem tido contacto próximo com um familiar com doença de Alzheimer e tiverem vivenciado as dificuldades porque passam os doentes e familiares a sensibilidade é enorme.
A dificuldade maior está relacionada com a fase inicial de seleção de participantes que implica muitas vindas ao Centro de Ensaios e realização de exames. É também necessário um esforço de organização logística enorme para tornar fluídos os procedimentos que permitem a determinação e comunicação formal do genótipo ApoE dos participantes saudáveis. Só uma equipa muito motivada e disponível permite lidar com a necessidade de recrutar um elevado número de cidadãos saudáveis para identificar os poucos onde se verificam todos os critérios de inclusão que justificam a exposição ao princípio ativo. Em outros centros europeus este processo específico obedece a requisitos distintos e talvez seja possível uniformizar procedimentos em futuros ensaios semelhantes.
Quais os principais problemas/dificuldades que podem dificultar a investigação clínica nesta área em Portugal? O que poderia ser feito para potenciar esta área?
Como em outras áreas, o país é heterogéneo. Existem locais onde já se faz muito bem e onde o nível de organização é já muito elevado. O que falta muitas vezes fazer é colaborar e disseminar boas práticas. Deve ser promovida a articulação entre serviços e centros e valorizada uma cultura de mérito e resultados.
Os ensaios em fases precoces de doenças degenerativas colocam dificuldades adicionais com que ainda não nos tínhamos confrontado antes. Neste âmbito, o contexto em que trabalhamos, uma Unidade Local de Saúde, favorece muitas das adaptações necessárias desde que exista a visão transformadora.
É também necessário perceber que o tempo dedicado a esta atividade tem de ser valorizado de forma digna e de acordo com o nível de exigência, responsabilidade e escrutínio externo que tem.
Quais os principais desafios que a área da investigação lhe coloca diariamente?
O desafio principal está relacionado com a alocação de tempo à atividade de investigador. Quer como colaborador em ensaios clínicos, quer no âmbito dos meus próprios projetos de investigação e desenvolvimento tecnológico.
O desafio principal nesta área passa por concretizar projetos e perseguir questões relevantes no âmbito da saúde pública. Na área das neurociências em particular dedicamo-nos, em parceria com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, a perceber como evoluem os défices cognitivos na comunidade e em múltiplas patologias, de modo a melhorar o percurso dos doentes e os custos associados ao diagnóstico de doenças e condições muito frequentes.
Em conjunto, penso que poderemos melhorar a forma como se identificam e monitorizam doentes com doenças neurodegenerativas no seio da comunidade a que pertencem e tornar o nosso ecossistema um dos locais ideais para a investigação de novas soluções terapêuticas.